quinta-feira, 19 de abril de 2012

A pequena boêmia

Eu não sei o nome dela, mas me lembro muito bem de como ela era.
Quando entrava no bar, pouco chamava a atenção para si. Aliás, muitas vezes ninguém a notava. Nem eu.
Mas era sempre a mesma. Baixa estatura. Talvez 1m 60cm, não sei ao certo. Sempre de camisa branca, gola exemplarmente engomada. Cabelo preso num rabo de cavalo. Dava pra perceber que tinha cabelos longos e bonitos. Franja e óculos. Para mim, não era o perfil das bêbadas que costumava encontrar. Mas ela tinha umas olheiras singulares. Talvez fosse a bebida.
Se eu ficasse sóbrio talvez pudesse penetrar anonimamente a mente da pequena boêmia.
Por que ela estava ali? Ah! Eu sabia o porquê eu estava. Eu era um fracasso. Todos sabiam. Emprego ruim, família desfeita, dívidas, falta de amor-próprio e qualquer outra desculpa que talvez eu encontrasse para estar ali bebendo ou melhor "chorando as mágoas". Mas e ela? Tão pequena e linda...
Ela não falava alto como as mulheres nas mesas ao lado. Ela simplesmente se sentava junto ao balcão perto da juke box, bem ali, onde tinha umas luzes azuis. Ali, ela ficava prateada. Parecia sobrenatural... Pedia sempre a mesma bebida, que eu não sei o que era. Demorava-se a dar o primeiro gole. E ficava ali a noite toda, aquela pequena boêmia...

Então formulei uma teoria para sua bebedeira. Ela deveria saber demais do mundo para ficar sóbria e enfrentar a realidade. Ser bonita e pequena não bastava a ela. Que injustiça o mundo reservara àquele ser infantil e belo?
Sabe o que ela não sabia? Que já sabia demais.

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