quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Motivos

- Menina, não chore! Me dê os motivos... Por que tantas lágrimas?
- São as lágrimas da estafa, reconheço que cheguei ao limite, ao final. Meu coração está cansado.
- Diga-me, menina, por que "final", tudo é sempre um (re)começo...
- Eu pensei nos motivos do fim e eles me bastaram.
- Se quiser falar-me deles, ouvir-te-ei com paciência, te consolarei e vou-me embora esquecer-te pois nem sei quem és.
- Nem saiba, nobre senhora, nem saiba. Mas para de chamar-me menina pois já sou mulher.
- Diante de tantas lágrimas, vestido sujo e cabelo desgrenhado não vejo outra imagem senão a de uma menina, menina desamparada e órfã de pais.
- Não sei porque dou-lhe réplica, cara senhora, pois não a conheço, teu rosto nunca vi. Deixa-me, ao menos, ver teus olhos e direi-te minha dor, tu me consolarás e irás embora como prometeras. Mas deixa-me olhar no fundo deles, dos teus olhos. Quero ver a verdade que eles dizem ou a mentira que vendem.
- Pronto, vê-me à luz. Meus olhos suportam a claridade mas prefiro a penumbra, pois nela sou quem sou sem repreensão. "With the lights out it's less dangerous"
- Sei. E é por isso que persuadiste-me a contar-te meus medos. Eis que és o escuro para mim e te irás embora com a noite. Meus segredos estarão seguros. Afinal, nem sabes quem sou. Sabes o que vê. Aqui nessa sarjeta, onde morri menina e nasci mulher. Dar-te-ei os motivos:
Amei, amei muito e vi sorrisos em lábios cerrados, vi amor em expressões gentis e me iludi com o doce do mel que abrigara milhares de abelhas e de vespas que queriam matar-me. Eu sonhei muito e agora acordei.
A conclusão que chego é que minha dor foi o ápice do sonho e que acordei com meu próprio grito. Cansei-me.
Então, eu o li. Li o rapaz por quem morrera de amor. Vi quem era e odiei. Odiei-me por ser frívola, por contentar-me com pouco, por não ter ambições, por ser doce, por ser amável, por ser a melhor por aquele que eu acabara de ler e que não valia o papel de seu livro.
- O que lestes nele, menina? Digo, mulher?
- Li o que eu não queria ler. Eis que era ele o mais preguiçoso, boêmio de todos os homens. Sempre se dirigia à mim no fim da noite, com palavras doces. Mas ébrio. E dos ébrios eu tenho nojo.
E se me buscava era porque eu o devia, devia-lhe beijos, devia-lhe meu tempo, devia-lhe eu.
Quanto ao que eu desejasse, aaaah ele nem saberia, porque não me perguntaria e nem me deixaria falar. Ele nunca me ouviu mas sempre falou.
Ele cantava nas madrugadas enquanto eu dormia mas era para outras donzelas.
Ele não me trazia flores, ele não me elogiava. E eu era formosa, nobre senhora. Não sou de andar desgrenhada como me vês agora.
Mas quando pensei e vi que o meu sonho era um sonho e nada mais do que isso, forcei-me a acordar. Puxei meus próprios cabelos, lamentei-me sentada ao chão e agora falo à ti.
Dei-te os motivos. Agora me console, chore comigo e vai-te. Por favor.
- Não.
- Não o que? Tu prometestes... não devia eu te dar ouvidos para contar-lhe minha intimidade... Por favor, não zombes de mim.
- Fizeste bem. Mas não há consolo aqui. Não hás que ser consolada. Acordastes, menina. Agora vá VIVER.

E a mulher com rosto em penumbra se foi. A menina nunca saberia quem era, mas se ergueu e seguiu caminho.

sábado, 3 de dezembro de 2011

A carta

Eu revi as palavras da carta. Uma a uma.  O seu adeus escrito com uma mão firme, não titubeou nem por um instante, a tinta não falhou e a caneta eternizou naquele papel já amassado de tão (re)lido, a palavra “adeus” .
O “fique bem e seja feliz” estavam escritos sem entusiasmo, sem a força do adeus, sem dor, sem pudor, estavam ali só por estar, para não parecer mal educado. Pelo menos foi o que veio à minha mente.

Repensei também em como a vida pode ser irônica: a pessoa que te diz para ficar bem e ser feliz é a mesma por quem seu mundo caiu. É a pessoa que te faz querer gritar e abraçar o mundo, correr a Terra inteira e fazer qualquer coisa só para poder tê-la mais uns minutinhos do seu lado. Olhar seus olhos pretos e dizer que está feliz por ela estar ali. E só.

Finalmente, dobrei a carta e a pus debaixo da xícara do café que estava tomando. Foi do calor do café que me veio a ideia do fogo, a ideia de queimar a carta. Peguei o isqueiro ao lado do fogão e brinquei com a chama. O isqueiro na mão direita e a carta na esquerda.

 Mas se eu queimar, quem vai me dizer as verdades que preciso ouvir? Quem me lembrará que não vou ter uma segunda vez, uma segunda chance? Se eu queimar,  como a ilusão não me abrigará? Se eu queimar esse papel, isso que chamo de carta, a ilusão com certeza virá. Como das outras vezes que apaguei da mente o que você disse tão sem palavras e tão cheio delas. Eu vi tudo, tudinho bem na minha frente: “eu não quero mais” e apaguei, esqueci e vivi mais um dia e mais um dia acreditando, tentando acreditar e mentindo pra mim mesma.

A carta é, portanto, a prova de que o fim é real. Do ponto final.

Ou melhor, a carta era. Mas o que eu não me lembro mais...depois do fogo, só me lembro da saudade...
Ilusão é questão de expectativa e perspectiva.