segunda-feira, 16 de abril de 2018

Enquanto embalo minhas coisas em sacolas de supermercado, decidindo rapidamente quais roupas levar e quais deixar, o que amo e o que desamo, vou recitando na mente aquela música sobre largar tudo e fugir. A música faz tudo parecer tão romântico e belo e era nisso que eu pensava.
Ouvi passos do lado de fora da casa. Parei por um instante e tentei aguçar ainda mais a audição, tentar discernir o que era, se eu corria perigo. E eu sei que sim. Eu estava fugindo por minha vida, não era nada romântico, nem bonito deixar meu lar para trás. Esgueirei-me pela porta dos fundos, dei uma breve olhada. A “barra” estava limpa. Escutei a maçaneta da porta da frente girar bem devagar. Eu deveria correr para a rua, mas esperei.
As sacolas com meus pertences começaram a pesar. Cada milissegundo de tensão parecia que imputava mais uns quilos a cada sacola. Eu deveria correr. Eu sabia disso. Mas algo me prendia ali, próxima à porta dos fundos, já do lado de fora da casa. Eu podia ver a pequena passagem que antes era um portãozinho e agora pregado com algumas tábuas de madeira podre. Eu logo estaria “livre”. A música veio novamente à minha mente e me desconcentrei dos barulhos no interior da casa. Recobrei a atenção total, segurei a respiração, ouvi.
Os passos estavam na cozinha. Abria as gavetas de talheres, revirando tudo, os sons parecendo uma banda orquestrada. O que ele está procurando? Agora está na sala. Ligou a TV. Trocou de canal e estava no canal de compras. Um número era repetido junto das palavras “compre” e “ligue”. Não fez sentido pra mim. A curiosidade me consumia, junto com medo, tensão e desesperança.
Se ao menos eu soubesse porque tudo aquilo estava acontecendo, talvez o que viesse a seguir, ou até a minha própria morte fizessem mais sentido, talvez fosse como um daqueles mártires importantes, talvez fosse algo que valesse a pena saber.

[continua...]

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